quarta-feira, 30 de abril de 2014

Dica Cultural da Semana: Mundo livre (2007) - 96 min. De Ken Loach



Mundo livre (2007) - 96 min. De Ken Loach

O filme narra a história de Angie, uma empregada de um agência de recrutamento de trabalhadores dos países de economia periférica na Europa, que os realocam para empregados precários na Inglaterra. Após ser demitida, Angie resolve montar sua própria agência, utilizando toda a sua experiência adquirida, para tentar se livrar de uma vez da própria vida precarizada que leva. Mas como tratar de resolver uma vida precária precarizando a vida dos outros. Esse dilema é o que move o filme, conduzido de maneira bastante adequada pelo diretor, já que coloca todas as ações das personagens para além dos juízos de valor: como respostas limitadas por suas próprias condições de vida.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Ainda sobre a importante experiência da fábrica ocupada Flaskô



Dando continuidade nas experiências de poder popular no Brasil e no mundo, este blog traz novamente a experiência dos trabalhadores da Flaskô, dessa vez não somente sobre a fábrica, mas a experiência que envolve o seu entorno com a constituição da vila operária.

Lembrando que os trabalhadores da Flaskôestão em campanha, para que o Senado Federal transforme o terreno da fábrica em área de interesse público, possibilitando a continuidade dessa importante experiência no Brasil.

Fábrica de cultura e vila operária
Terreno ocioso ao lado da fábrica foi ocupado por famílias há 6 anos
 07/11/2011  
Joana Tavares de Sumaré (SP)

Em 2005, o terreno ao lado da fábrica, que estava abandonado, foi ocupado por cerca de 300 famílias de Sumaré. A ocupação foi apoiada pelos trabalhadores da Flaskô e alguns deles inclusive se mudaram para a Vila Operária e Popular. Neste ano, conseguiram a instalação de água e energia nas casas, mas ainda falta regularizar o saneamento básico e a iluminação pública. Maria José da Silva mora há quatro anos na ocupação e tem orgulho de dizer que a casa onde mora é sua. Ela defende a fábrica ao lado e coloca “que eles ensinam a importância de lutar pelo que se precisa”. Hoje, 564 famílias moram na região, ainda que muitas delas não tenham participado do processo de luta da ocupação. 
Vila Operária ao lado da fábrica da Flaskô - Foto: Tiago Flores

A comunidade do entorno é convidada a frequentar as atividades promovidas pela Fábrica de Cultura e Esportes, que realiza atividades mensais e oficinas semanais. Rafael Dias, do setor de mobilização, coloca que a iniciativa vem da carência desse tipo de atividade na região. Há oficinas de quadrinhos, campeonatos de judô, xadrez, damas, aula de espanhol, violão, dança de salão e treinos de break, cinema gratuito. Neste ano foi realizado o II Festival Flaskô Fábrica de Cultura, com a apresentação de diversos grupos teatrais, de música, debates e festa. 
“Buscamos garantir a apresentação de uma peça de teatro por mês. Em quase todas as peças aqui, vêm pessoas da vila e de dentro da fábrica que colocam que nunca tinham visto uma peça de teatro na vida”, conta Rafael. Em parceria com o Cemop, são realizadas também atividades ligadas às universidades, para, segundo Rafael, “colocar a discussão da gestão operária para dentro do cotidiano do meio acadêmico”. Outra iniciativa é a TV Flaskô, um canal da web que divulga a luta dos trabalhadores e a Rádio Luta, que também veicula programas na internet. Em parceria com a Rádio Muda na Unicamp, há um programa semanal ao vivo de duas horas sobre o cotidiano da fábrica.    
Intervenção
As fábricas ocupadas viveram seu principal golpe em maio de 2007, quando 150 policiais armados entraram na Cipla e na Interfibra, em Joinville (SC), atendendo a um pedido do INSS de cobrança de dívidas, e expulsaram as comissões de trabalhadores eleitas. Foi nomeado um interventor para gerenciar as fábricas, que coage os trabalhadores a assinar um documento dizendo que eram favoráveis à intervenção. De 2007 a 2009, segundo o Relatório dos processos de criminalização da Flaskô, 400 trabalhadores foram demitidos, o regime de trabalho voltou a ser de 44 horas semanais e as dívidas com o INSS não foram pagas. 
O interventor tentou atuar também na Flaskô, mas os trabalhadores o expulsaram em junho e conseguiram revogar a decisão da Justiça de Santa Catarina, que não poderia atuar em São Paulo. No entanto, o interventor havia solicitado o corte de energia da Flaskô, deixando a fábrica parada por 40 dias. “O pior é que eles cortaram sem aviso prévio e as máquinas estavam em funcionamento, com matéria-prima dentro”, conta Josiane. Além da batalha judicial para reverter a decisão, foram realizados diversos atos públicos. Após o restabelecimento da energia, foi necessário consertar as máquinas e retomar a produção, como se fosse uma segunda ocupação.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Charge do dia 28/04/2014 - Angeli



Um dos meios pelo qual o fenômeno ideológico se materializa é na questão de observar o mundo de maneira invertida. Quando se fala isso não é simplesmente observar o mundo de ponta cabeça, mas sim não apreender a realidade com os olhos da sua realidade e sim de outro. Simplificando um pouco as coisas, aquilo que Marx chama de alienação.

Nesse caso, e como demonstra a charge a baixo, a classe dominante dentro de um modo de produção (a classe que possui os meios de produção de uma sociedade), para constituir sua “dominação” completa sobre a classe explorada (a que não detém os meios de produção e por isso mesmo é obrigada, a vender para sobreviver a única coisa que detém que é a sua força de trabalho), faz com que a classe explorada olhe o mundo, não a partir de sua própria lógica, mas sim pela lógica da classe dominante.

Ao fazer isso, a classe explorada (trabalhadora) deixa de lutar contra sua própria exploração, e passa a defender o programa da própria burguesia, deixando de lado todo o seu potencial revolucionário. Como dizia Marx, a classe trabalhadora não tem nada à perder a não ser os seu grilhões. Sabendo disso a burguesia tenta por vários meios – e o discurso ideológico, talvez seja o mais sutil – dominar os trabalhadores.

Ainda bem que como a charge demonstra, os trabalhadores sejam cientes de seu potencial, ou em níveis primários de revolta, ousa pensar diferente do que a ideologia dominante processa.

A charge é de Angeli.

terça-feira, 22 de abril de 2014

O exemplo da fábrica ocupada Flaskô

Na Argentina na época da crise econômica entre 1999 e 2003 houve um boom de fábricas que uma vez falidas, foram ocupadas pelos seus ex-trabalhadores, que passaram a decidir por conta própria os rumos de sua produção.

A mesma crise que “quebrou” a Argentina foi sentida com força aqui no Brasil. Tanto lá como aqui teve a economia extremamente impactada pelas reformas de cunho neoliberal, fazendo com que inúmeras fábricas fechassem (há ainda o aspecto da reestruturação produtiva iniciada nesses países nos anos de 1990).

O movimento de fábricas ocupadas ganhou mais força nos nossos vizinhos, no Brasil, o caso mais conhecido é o da Flaskô, que há 10 anos resiste aos ataques do governo e de seu antigo dono. A fábrica não se resume apenas à planta produtiva, em seu entorno criou-se uma vila para famílias sem teto. Ao mesmo tempo, ela promove eventos culturais e palestras abertas para toda a população, contribuindo para elevar a consciência de seus trabalhadores e moradores, mostrando um germe de poder popular, principalmente com seu exemplo.

A fábrica promove agora uma campanha para aprovar no congresso nacional um projeto de lei que possibilite a declaração de área de interesse social para a planta da fábrica e da vila operária criada em seu entorno.

Publicamos na sequência o pedido de seus trabalhadores e um texto sobre seu exemplo.

CRIAR, CRIAR, PODER POPULAR!!!

Precisamos de mais ajuda!
Muitos já sabem que nós da Flaskô estamos numa difícil campanha por 10 mil assinaturas para conseguir uma audiência no senado sobre nosso projeto de lei 257/12. 
Lembrando que essa campanha é muito importante, pois este PLS está tramitando no senado há dois anos e mais uma vez estamos sendo "enrrolados" pela burocracia estatal deste país.
Este projeto abre a possibilidade de solucionar os problemas crônicos que vivemos na Flaskô, pois a partir de sua discussão e aprovação no senado (o que nos parece factível, pelas próprias regras vigentes) , teríamos fôlego para ir adiante. Sem isto, nossa situação cada dia é mais insustentável pelas dívidas patronais cobradas de nós mesmos bem como os processos criminais contra nossos companheiros dirigentes (Sim, nossas lideranças são processadas por atos ilícitos e formação de quadrilha, como anda em moda o nosso governo fazer com qualquer movimento social organizado e resistente).
Por isso, neste momento, quando já passou metade do tempo previsto para a campanha (90 dias), vimos aqui pedir mais uma vez sua ajuda. Até porque estamos com cerca de 1500 adesões e precisamos rapidamente ampliar a velocidade de ampliação das mesmas.
Muitos têm nos ajudado sobretudo pelo facebook e isto é ótimo. Mas precisamos de mais ajuda para conseguir as 10 mil assinaturas.
Vejam abaixo como ajudar:
1) Em nosso site www.fabricasocupadas.org.br temos vários textos explicativos da campanha. Se vc tiver tempo, replique-os no facebook e demais redes sociais, twitter, ou qualquer outra que você use. Os melhores horários para isto são: entre 8h e 9h e entre 19h e 20h.
2) Se você tiver uma PÁGINA no facebook, divulgue ad infinitum este texto que estás lendo além dos demais que estão em nosso perfil do facebook.
3) Se você prefere divulgar um vídeo, temos este http://www.youtube.com/watch?v=4gRm9ypCm2M
4) Se prefere divulgar diretamente a página do senado onde se faz a adesão: http://bit.ly/flasko10mil
5) Se puder gravar um breve vídeo (1 minuto no máximo) explicando porque você apoiou nossa campanha e postar em nosso perfil facebook, será estupendo! 

Enfim, esperamos contar com vocês para ajudar na replicação destes materiais pela internet para que ampliemos essa luta.
Um muito obrigada a todos e todas que já apoiaram e que querem nos ajudar.
Com o povo e os trabalhadores e trabalhadoras, a Flaskô jamais será vencida!


Sem patrão
João Zinclar
Trabalhadores da Flaskô mantêm organização da fábrica desde 2003 e enfrentam medidas judiciais
07/11/2011
Joana Tavares de Sumaré (SP)

Eurico, 23 anos de Flaskô: “aqui não tem patrão para pegar no pé” Foto de João Zinclar
Em uma rua de chão ao lado da fábrica Flaskô, em Sumaré (SP), dois homens caminham com materiais de trabalho na mão. Perguntados se sabiam que estavam perto de uma experiência inovadora na história do Brasil, uma fábrica sem patrão, um deles pergunta, claramente surpreso: “Como assim, sem patrão?”. O outro, rapidamente, encontra a explicação: “É, ele morreu”. Mas ele, na verdade, eles – Luís e Anselmo Batschauer, da Corporação Holding Brasil – estão vivos e cheios de dívidas.

O fato é que eles não mandam mais na fábrica de transformação de plástico, que produz vários tipos de embalagens industriais, ocupada e sob comando dos trabalhadores desde 2003.

De lá pra cá, a Flaskô colecionou processos judiciais, vitórias, cortes de energia, apoiadores, decepções, enfrentamentos diretos e indiretos e hoje, oito anos depois, pode dar aulas de resistência. É a única fábrica ocupada efetivamente por trabalhadores no Brasil, mas mesmo assim sustenta fazer parte do Movimento de Fábricas Ocupadas, na expectativa de que ele possa vir a ser reconstituído.

A leitura é a seguinte: em momentos de crise, o cerco contra a Flaskô aperta. Porque apesar de pequena - são 69 trabalhadores e trabalhadoras – representa um modelo perigoso. “É uma fábrica isolada, a princípio inofensiva, do ponto de vista da nossa capacidade de influenciar a luta de classes, mas é um mau exemplo [do ponto de vista dos patrões]. Sabemos que quando a situação começa a ficar crítica, os trabalhadores podem recorrer à ocupação de fábrica”, avalia Josiane Lombardi, do Centro de Memória Operária e Popular (Cemop), e pesquisadora do tema da gestão operária. “Estamos vivendo um momento angustiante. A gente sempre sofreu ataques, desde o começo, mas tem momentos em que eles se concentram, e este é um deles. Estamos discutindo uma campanha daqui até o final do ano para divulgar que os ataques estão ficando mais sérios e que os apoiadores têm que estar alertas porque não sabemos o que vai acontecer”, aponta.

Atualmente, são dois ataques principais: uma máquina - uma das Injetoras Semeardo - vai a leilão virtual no mês de outubro, para tentar cobrir uma dívida de mais de R$ 40 mil relativa a um processo de 1998, da gestão patronal. Outro, ainda mais grave, é um pedido de penhora de 50% do faturamento total da fábrica, o que inviabilizaria completamente a produção. Segundo Josiane, a Flaskô tem um faturamento bruto que gira em torno de R$ 600 mil por mês. Metade desse valor é destinado à compra de matéria-prima, o restante é dividido entre gastos, como energia, e a folha de pagamento. “São movimentos para fechar a fábrica, e eles têm consciência disso”, pontua.

Segundo o informe jurídico do advogado Alexandre Mandl publicado no fanzine Chão de Fábrica - um dos instrumentos de comunicação da Flaskô - nenhum lance para a máquina foi feito na primeira fase do leilão, que prossegue até o dia 31 de outubro. A intenção agora é convencer a Justiça a pensar a fábrica “com todo o significado social que tem e, por isso, buscar solução para os 200 processos existentes em Sumaré, e não um processo em si”.

A situação se complica porque os antigos patrões deixaram uma dívida avaliada em R$110 milhões, sendo que 70% são de impostos com o poder público, e a Justiça cobra dos trabalhadores ao invés de procurar aqueles que deixaram o rombo. A gestão operária paga direitos trabalhistas de ex-funcionários que não tinham seus direitos assegurados. Para efeitos de cobrança, os trabalhadores na gestão da fábrica são reconhecidos, mas para a negociação das dívidas, não.

Estatização

Com base na contradição envolvida na questão das dívidas, a proposta dos trabalhadores é a estatização. Essa bandeira surgiu na ocupação da Cipla - que também é do grupo Holding Brasil - que ocorreu em 2002. Nesse ano, trabalhadores da Cipla e da Interfibra, depois de greve de oito dias cobrando o pagamento imediato dos salários atrasados e dos direitos não pagos, decidem ocupar as fábricas e retomar a produção. O empresário Luís Batschauer concordou em passar “o comando administrativo e operacional” das fábricas para a gestão dos trabalhadores.

No entanto, passou junto suas dívidas, de mais de R$ 500 milhões. Os trabalhadores, reunidos em um Conselho Administrativo Unificado, passaram a cobrar que a empresa fosse expropriada, como uma forma de o governo cobrar dos patrões as dívidas com os cofres públicos. Em junho de 2003, fazem a I Caravana a Brasília, cobrando a “estatização para salvar 1070 empregos”, já incluídos os 70 da Flaskô, que estava na iminência de fechar. No dia 12, acontece a ocupação da fábrica em Sumaré.

“A fábrica deve ser de propriedade pública, é nesse sentido a estatização. Praticamente todo o patrimônio está penhorado em função de dívidas, a maioria com os governos, estadual, federal e municipal. O governo não precisaria investir para estatizar essa fábrica. Ao expropriar, deveria cobrar dos donos que fossem pagas as dívidas, ele estaria retomando os bens, sanando as dívidas com os ativos, ativos que estão gerando empregos, lazer, moradia...”, explica Josiane, que participou de um grupo responsável por formular uma emenda à Lei 4132, de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social. A proposta é uma mudança no artigo 2º da lei, acrescentando o seguinte inciso como característica de interesse social: “O aproveitamento produtivo de empresas abandonadas ou falidas que passaram a ser geridas por seus funcionários, sob qualquer modalidade de autogestão”.

“Esse instrumento de desapropriação é utilizado pelo poder público o tempo todo; para fazer obras, viadutos. Mas cria também uma possibilidade com o mesmo caráter, que inclui a modalidade de interesse social, que permite a desapropriação não apenas por interesse do Estado, mas por interesse social. Queremos incluir uma emenda que fala da demanda de aproveitamento produtivo de empresas abandonadas ou falidas”, explica Josiane.

Esse modelo se assemelha ao que ocorre na Argentina, país que tem cerca de 200 fábricas recuperadas, incluindo empreendimentos como padarias, açougues, hotéis.

Conselho de fábrica

Há 23 anos trabalhando na Flaskô, Eurico Rocha de Oliveira Filho chama o período anterior à ocupação de “patronal”. Ele explica a diferença: “aqui não tem patrão pra ficar pegando no pé, para começar. Tem mais liberdade para trabalhar. Tem que ter assembleia, reunião de conselho... Na patronal, você só trabalha, não sabe de nada. Só recebe o pagamento e olhe lá”. Giovani Carlos da Silva trabalha na área de expedição, carregamento e recebimento há oito anos, desde a ocupação. “Aqui a gente não trabalha sob a pressão dos patrões, cada um faz o seu serviço, não é pressionado a trabalhar pro patrão”.

A forma de organização é o conselho de fábrica, com assembleias que acontecem ao menos uma vez por mês, mas podem ser convocadas a qualquer momento. Já o conselho é composto por 11 membros, com eleição anual. Todos os setores - os três turnos da produção, segurança, predial, mobilização, ferramentaria e administrativo - elegem representantes.

30 horas semanais

Foi o conselho de fábrica, em diálogo na assembleia, que programou a reformulação da jornada de trabalho. Josiane Lombardi, do Cemop, conta que a primeira mudança aconteceu em 2004, quando a jornada foi reduzida de 44 para 40 horas semanais, deixando o sábado livre. Em 2006, houve a redução para 30 horas, sem diminuição de salários. Feita com o apoio da Cipla, que já havia passado por esse processo, a produção foi reorganizada e foi possível manter a produtividade. Uma das medidas foi a eliminação de um dos turnos de produção - das 18h à meia-noite - responsável por um alto consumo de energia.

Outra conquista da fábrica sob controle dos trabalhadores é a queda no número de lesões por movimentos repetitivos. “Não teve mais ninguém afastado com LER desde que a fábrica foi ocupada”, ressalta Josiane Lombardi, que pesquisou as experiências da Cipla, Interfibra, Flaskô e Zanon (fábrica recuperada argentina) em sua tese de doutorado defendida na USP.