quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O PCB e as eleições de 2014



Nesta semana aconteceu o primeiro debate em rede de televisão aberta com os candidatos à presidência da República. Nele, nada de novo aconteceu. O que se viu foi a repetição dos mesmas ideias e opiniões já apresentadas durante o horário eleitoral obrigatório, e em todos os casos se percebe que falta algo a mais, deixando um gostinho de “quero mais” na boca da população. Não a toa que essa vontade acaba se transformando em desânimo com a política e os políticos, já que nenhuma alternativa apresenta algo que já não tenha sido visto e provado como incapaz de atender as expectativas de todos.

Ora, se somos capazes de perceber que as opções postas não dão conta de satisfazer nossos problemas, estamos a um passo de conseguir criar uma resposta que tente, pelo menos, sair do marasmo criado por essa prática política. E esse passo já foi dado com a candidatura de Mauro Iasi e Sofia Manzano pelo PCB.

Mas qual é, então, o motivo da candidatura do PCB não estar presente no debate? Até parece que essa candidatura não existe...

Bom, sabemos que a democracia pressupõe o governo de todos, em que sejam garantidas as condições mais igualitárias possíveis dentro da disputa política. Pelo menos isso é o que nos é ensinado desde a escola e também se repete em toda eleição. Pois bem, o modelo de democracia que existe de fato pressupõe, na verdade, que o poder econômico dite o tom das discussões políticas. O financiamento dos grandes grupos empresariais direciona ao público os candidatos que mais lhes agradam, que tem maiores chances de garantir seus interesses, não considerando as vontades da população que não tem poder econômico suficiente para fazer valer sua voz tanto quanto nesse processo.

Diante dessa situação em que o dinheiro acumulado pelos mais ricos comanda as discussões políticas, as redes de televisão acabam manipulando e fechando seus espaços aos candidatos que não agradam a esses setores. Assim, os partidos que, como o PCB, possuem uma posição diferenciada daquela que todos estão cansados de ver e ouvir, são deixados de lado e dificilmente terão condições de expor suas ideias e seu projeto.

Mas, o que há diferente, então, na candidatura do PCB se comparada a dos outros partidos?

A característica principal das propostas comunistas não pode fugir da necessidade de rompimento com a lógica que comanda a vida de todos atualmente, em que as coisas produzidas pelas pessoas com o seu próprio esforço sejam consideradas mais importantes do que a vida que as produzem. A solução para os problemas de nossas vidas não pode passar pela oferta de bens e serviços enquanto mercadorias. Educação, saúde, moradia e transporte são condições básicas para que se possa viver, e o Estado, instituição que pretenderia zelar pelo público, deve oferecê-los de maneira gratuita e universal.

Mas para que isso possa acontecer é necessário criar condições econômicas favoráveis.

É necessário que aconteça uma maior redistribuição da riqueza produzida pela sociedade como um todo, que desde sempre se acumula na mão de poucas famílias através da imposição da iniciativa privada sobre a gestão pública. Nesse sentido apontamos para a reversão das privatizações que vem ocorrendo no Brasil desde a década de 1990, colocando sob controle do interesse vital dos trabalhadores setores estratégicos da economia, como a produção e distribuição de energia e a mineração.

O controle baseado no interesse vital dos trabalhadores não é outro senão a democracia. Nos costumamos a pensar que democracia é uma forma de regime político em que escolhe um representante a cada mandato para cumprir nossos interesses. Acreditamos que passar o exercício de nossa vontade para outra pessoa seja algo democrático. Afinal, a democracia representativa para se sustentar no Brasil sempre necessitou, por parte dos diversos interesses dos políticos que assumem os mandatos, negociar. Perde-se o sentido original da representação e a política se torna, aos poucos, um exercício de administração de intrigas e conchavos. Ao final, os interesses que se fazem valer são os daqueles que financiam as campanhas ou daqueles que exigem um preço em nome da “governabilidade”. Assim, a proposta do partido é radicalizar a democracia direta por meio do Poder Popular.

Se você busca uma alternativa que busque transformar radicalmente seu cotidiano, confira o programa completo da candidatura e outras informações na página www.mauroiasi.com.br. Se você concorda com ele, divulgue!

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Dica Cultural da Semana 27/08/2014 - A Batalha do Chile - Parte 1: A Insurreição da Burguesia, de Patrício Guzmán




Nas próximas três semanas iremos colocar à disposição de vocês um breve comentário e o link para assistir à trilogia de documentários intitulada "A Batalha do Chile". Os documentários registram em grande parte os acontecimentos marcantes que precedem ao governo do socialista Salvador Allende à frente da Unidade Popular (UP), seu período no governo chileno (1970-73) e o Golpe de Estado.

Iniciaremos aqui a indicação da primeira da parte do documentário dirigido por Patrício Guzmán. A parte 1 do documentário tem como subtítulo: A Insurreição da Burguesia. O segundo: O Golpe de Estado. O terceiro: O Poder Popular.




O ano era 1973, dia 11 de setembro, pouco mais das 8:00 da manhã. Oficiais de alta patente, entre eles Augusto Pinochet, então comandante-em-chefe das Forças Armadas, rebelaram-se contra o governo com o apoio de inúmeros regimentos dos blindados de Santiago, com maciça sustentação da Marinha e com o usufruto da logística e armamento estadunidense.

O fatídico dia em que se consolida mais um Golpe de Estado na América Latina, não pode ser entendido como mero acaso ou como um ato descolado de seu contexto histórico social e político.

Desde os anos 1920, vinha acontecendo no Chile uma intensa reorganização e remodelação dos diversos grupos econômicos dominantes. Ainda nos 1920, surgem novos protagonistas políticos que darão uma nova roupagem para um processo social mais amplo: a classe média e a concretização da Revolução Burguesa no Chile.

É importante notar que a classe média assume a ponteira da discussão política nos anos 1930 e 1940 por conta da ascensão de um velho partido, o Partido Radical. Sua proposta de condução do Estado promovendo uma reestruturação político-institucional é avistada como importante para os setores da classe trabalhadora. Em seu início, o período conhecido como Radicalismo, conta com o apoio e coligação eleitoral do Partido Comunista do Chile, uma das principais organizações dos trabalhadores. No entanto, após algumas divergências de ordem social, a configuração política se desenha insustentável para a manutenção do apoio dos comunistas, que acabam rompendo com o Radicalismo.

Toda a efetividade de uma política de centro-esquerda dá espaço para uma nova coalizão de centro-direita, ainda liderada pelo Partido Radical, mas que, agora, não mais dirige estas reestruturações no sentido de ampliar a democratização dos espaços políticos e promover uma inserção contundente da classe trabalhadora na discussão de um projeto de país.

Este movimento de espectro restritamente político está em consonância com a necessidade posta de se ter um novo projeto de país. A grande disputa esteve entre um projeto de industrialização (liderada pelo PR e com apoio da esquerda) e o projeto reacionário e conservador liderado pelo Partido Nacional, local de aglomeração dos latifundiários e católicos.

Contudo, a predominância do Radicalismo se encerra em 1952 com a eleição do candidato da direita, Jorge Alessandri. Este é um momento-chave também pois é possível visualizar um grave racha no movimento católico com a fundação do Partido Democrata Cristão no Chile. Ele, crescentemente, é quem assumirá as intenções e as demandas da classe média no país.

Torna-se, rapidamente, uma das principais forças eleitorais chilenas com inserção no movimento sindical. No que se refere à classe trabalhadora, neste período iniciam-se as tentativas de uma frente de esquerda. Formula-se, para as eleições de 1970, a Unidade Popular, uma frente de coalizão de todos os movimentos e forças políticas de esquerda: Partido Socialista, Partido Comunista, Mapu, MIR, dentre outras.

A disputa acirrada entre as mais variadas frações da burguesia no campo das eleições era conseqüência, e também impulsionadora, de um amplo espectro de mudança. Havia, pelo menos desde a década de 1920, a disputa política por um novo projeto de nação que engendra novas formas de produção.

A dualidade industrialização x latifúndio foi levada às últimas conseqüências. No entanto, como a história dos homens é feita por eles mesmos, a dinâmica da vida social não é mecânica e pré-determinada. Neste entrevero surge, amadurece e põe-se em disputa um projeto, com sua equivalente eleitoral (Unidade Popular), de uma nova sociedade. Concretiza-se ao longo de todo este tempo uma alternativa comunista.

Desde os anos 1920, a necessidade de modernizar o país obrigou que burguesia desse uma resposta. Dentro da ampla classe dominante, o projeto não foi um só. Acontece que na construção política de uma nova base social de produção, um outro projeto, o revolucionário dos comunistas, se articularam e colocaram-se como alternativa. A vitória da UP é demonstração da força, do avanço nas consciências de classe e do enraizamento da proposta comunista. A burguesia e os latifundiários unificaram-se em um "novo" projeto onde a classe trabalhadora permaneceria fora do processo decisório.

            Este projeto ficou vinculado à figura de Augusto Pinochet, como o herói da cidadania chilena, o homem de retidão moral que refundaria o Estado chileno. Assumiu a postura de equivaler-se à um novo amontoado de instituições e modalidades de gestão públicas. Foi a mão forte do mercado e o rosto "rejuvenescido" da proposta programática liberal.

No lugar de grandes transformações que a burguesia bradou ao longo do século, concretizou-se o mais do mesmo: FAÇAMOS NÓS, A BURGUESIA, A REVOLUÇÃO (em nosso interesse!) ANTES QUE O POVO A FAÇA.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Comuna de Oaxaca - México



Desenho de Carlos Latuff



Em plena eleição de 2006 no México, os habitantes do estado de Oaxaca, se revoltaram contra a forte repressão ordenada contra professores em greve, então acampados próximo ao palácio do governo. Foi o estopim para que a população organizasse um levante popular entre junho e novembro de 2006. Muito do aparato repressivo utilizado para calar a população de Oaxaca seria utilizado nos anos subsequentes no combate ao narcotráfico, inclusive o desenvolvimento de grupos paramilitares para ajudar o Estado.

Apesar de sua curta duração, é inegável seu exemplo para toda a América Latina de que é possível construir o poder popular. Nosso blog traz hoje um pouco dessa importante experiência da classe trabalhadora mexicana, principalmente de que o poder político extrapola em muito o período eleitoral.

CRIAR, CRIAR, PODER POPULAR!!!


Comuna de Oaxaca: as mulheres tomam (as antenas d)o céu de assalto
 Por Bruno Terribas
Oaxaca, México

O levante conhecido como “Comuna de Oaxaca” ocorreu no México de junho a novembro de 2006. A explosão da insatisfação popular foi provocada por uma decisão repressiva encolerizada do governador Ulises Ruiz Ortiz (PRI) contra protestos de professores da rede estadual e membros de organizações sociais que ocupavam há mais de três semanas o zócalo da capital, em prejuízo da imagem turística e da reputação política do “cacique” local, o governador priísta. Ações contundentes eram a principal estratégia de pressão do movimento grevista iniciado em maio de 2006, cujas reivindicações diziam respeito a questões econômicas da categoria docente, somadas a outras de caráter social destinadas aos discentes.

Na madrugada do dia 14 de junho é colocado em ação um plano atroz: a mando do governo de Ulises Ruiz, milhares de policiais estaduais desalojam violentamente os 30 mil ocupantes que estavam dormindo em barracas nas dezenas de ruas do Centro Histórico.


O contragolpe popular vitorioso na manhã do mesmo dia, somada à indignação pelos seguidos abusos de poder do chefe do executivo estadual, propiciam a criação de uma frente única de dezenas de organizações políticas e sociais de todo o estado, apoiada na mobilização de centenas de milhares de oaxaquenhas e oaxaquenhos que atendem ao chamado das Megamarchas. Surge a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) para exigir “Fora Ulises!”.

A participação se expandiu pelo estado. A APPO, fórum oaxaquenho de organização das lutas, cresce para uma perspectiva de “outro poder” frente às instituições desacreditadas e decadentes. A ideia é que o povo pode dirigir a si mesmo de maneira autônoma, organizar coletivamente sua vida social e política. Misturam-se os aportes organizativos da tradição indígena e socialista, operária e camponesa. Em pleno ano de eleições para a Presidência da República, o estado de Oaxaca dividiu os holofotes com protestos multitudinários contra a fraude na contagem dos votos promovidos pelo candidato derrotado.

As três mil barricadas noturnas relembraram àquelas parisienses de 150 anos, contudo agora contam com um elemento tecnológico decisivo. É possível enviar os comunicados urgentes via mensagem de texto, ou ligação, através de telefones celulares, para um eficaz articulador comunicativo: as diversas rádios ocupadas pelo movimento.
Desenho de Carlos Latuff

María, a da TV


María del Cármen Altamirano Vásquez tem perfil fenotípico diverso daquele da maioria dos mexicanos, é uma mulher de cerca de 1,80m, magra e de cabelo crespo. Os olhos os têm puxados, daí o apelido de La China. Maria foi professora rural por 26 anos na Escola Primária Álvaro Obregón, localizada no distrito San Miguel el Grande, município de Tlaxiaco, a duas horas e meia de viagem da capital Oaxaca.

A ela coube escolher o local para entrevista, em razão das ameaças que tem sofrido, especialmente após 2006. O encontro foi na escola particular onde a maestra trabalha. Maria diz que preferia ter me atendido em sua própria casa, mas pensou que seria necessário um tanto de precaução. É certo que não se trata daquela desconfiança intrínseca à personalidade do mexicano de que fala Octávio Paz em seu Labirinto da Solidão, mas algo próximo à típica e necessária clandestinidade de militantes que vivem sob regimes autoritários e repressivos.

A professora relata que a ocupação da Corporação Oaxaquenha de Rádio e Televisão (CORTV) se deu porque a Oaxaca TV, canal 9 de televisão, vinha negligenciando o movimento, regra nos meios de comunicação locais como um todo, à exceção do jornal Notícias. No melhor estilo Rede Globo durante a campanha das Diretas Já, seus noticiários não faziam caso das Megamarchas de centenas de milhares de pessoas que tomavam as ruas; ou, quando as relatava, diminuía os números e a importância do fato. A abordagem relativa ao movimento social, por sua vez, vinha carregada de valorações negativas nas reportagens. Tudo o que poderia ser mal relacionado à APPO era divulgado, e atribuído aos “vândalos” e “grupos radicais”, os appos.

María conta que numa conversa noturna ocorrida no começo de junho, um grupo de mulheres que ocupa a Secretaria de Finanças – algumas delas militantes de organizações sociais – discutia sobre a necessidade de haver uma articulação entre as participantes do movimento. Até este momento do levante oaxaquenho, elas tinham assumido apenas funções acessórias, comparadas às que cabiam aos varones.


Venceremos


A ideia era organizar uma marcha formada apenas por mulheres no dia 1º de agosto. Algo como os Cacerolazos ocorridos na Argentina no fim de 2001 e início de 2002. “Preparamos esse momento com muita sensibilidade, afinal de contas tínhamos avisado aos conselheiros da APPO que faríamos a marcha. Veja bem: avisamos, não pedimos”, destaca a professora.

Assumir a autonomia de suas ações foi um passo difícil. “Era trabalhoso convencer as companheiras, até ali acostumadas a seguir orientações alheias, a organizar sua própria atividade política”. No entanto, era fundamental, afinal de contas se tratava de “uma ação para se fazer respeitar às mulheres”. De todo modo, a expectativa era o comparecimento de cerca de duzentas compañeras.

O horário marcado para o início da manifestação é nove da manhã, saindo da Fonte das Siete Regiones, distante aproximadamente oito quilômetros e meio do zócalo – o ponto de chegada. A concentração da Marcha de las Cacerolas tem parcas dezenas de mulheres presentes na manhã daquela terça-feira. “Vamos ser poucas”, lamentam as organizadoras. Eis que às dez horas, quando a marcha se inicia, o contingente toma corpo no caminho que o leva ao centro. Na praça central já são vinte mil, de todas as idades, reunidas na praça. As “organizadoras” se abraçam, não acreditam no que está acontecendo.

No hotel Missión Los Angeles, onde se encontra Ulises Ruiz despachando, as mulheres arremessam ovos e tomates. Lançam também palavrões, muitos palavrões. “Você via jovenzinhas e anciãs mandando Ulises Ruiz chingar a su madre”, diverte-se María.
Também ouvem-se as palavras de ordem: “¡la mujer luchando y al mundo transformando!, ¡no somos burguesas, ni viejas copetonas [malucas], somos oaxaqueñas, mujeres bien cabronas [bravas]!,¡el puño de la mujer atenta contra el poder! , ¡las mujeres oaxaqueñas dejaremos el mandil [avental] y si fuera necesario agarraremos el fusil!”.

Em alguns momentos, não é possível ao menos ouvir as consignas. É o barulho das panelas que não cessa. Espontaneamente, as mulheres vão ao microfone dizer o que sentem, o que pensam do que vem acontecendo em Oaxaca, no México e sobre sua condição de oprimidas .

Ao meio-dia e meia, alguém na multidão lança a ideia: “Ocupar o canal 9!” Alguns jovens que estão por perto se prontificam a parar ônibus para transportarem as mulheres até as instalações, situadas a alguns minutos de viagem dali.

O primeiro coletivo superlota instantaneamente. A ele se seguem mais cinco, formando um comboio de camiones carregando oaxaquenhas prontas para escreverem a história. “Íamos a caminho da liberdade, a conquistar uma voz”. No caminho até o canal de televisão, a polícia, aquartelada, faz vistas grossas frente à quantidade e o barulho da carreata.

Ao descerem dos coletivos encontram o primeiro “bloqueio”. Na entrada das instalações está o guarda. Baixinho, gordinho, bonachão. Deparado com as entusiasmadas trezentas e cinquenta mulheres, tenta fechar o portão.
– O que as senhoras querem?
– Um espaço no noticiário.
– Mas de parte de quem, há alguma reunião agendada?
– Somente diga que chegaram umas loucas que querem falar.
Na defensiva pela desvantagem numérica, não lhe resta alternativa senão cumprir as “ordens”.

De seu gabinete, a diretora da CORTV, Mercedes Rojas Saldaña, solicita que se forme uma comissão para negociar. Saldaña é ex-deputada pelo PRI e foi colaboradora do candidato a presidente em 2006, Roberto Madrazo (PRI).

A entrada da comissão abre espaço para que mais duzentas ingressem ao espaço da CORTV, dando resguardo às representantes.
– O que as senhoras querem?
– Alguns minutos no seu noticiário.
– Não é possível.
– Por quê? Ninguém do seu canal diz sobre o que está acontecendo em Oaxaca, como a marcha de hoje, o 14 de junho...
– Olhem-se no espelho. O que vocês estão pensando em fazer em frente às câmeras? Vocês são feias, gordas, baixinhas, morenas!
– Sim, somos! E este canal está ocupado a partir de agora – decreta uma estudante.

E chamam as compañeras que estão na parte externa para adentrarem o prédio, que agora sim é de fato La Television de los Oaxaqueños (e Oaxaquenhas acrescente-se).

Outra preocupação é a de avisar os presentes à Assembleia Estadual da APPO (que se realizava ao mesmo tempo) sobre a ocupação do canal. É necessário montar um esquema de proteção das ocupantes. As cinco mulheres incumbidas da tarefa são intensamente aplaudidas no plenário quando fazem o anúncio da ocupação.

Com as câmeras de última geração preparadas, está tudo pronto para começarem as transmissões. Mas, quem serão as primeiras aparecer na tela?
O problema era que todas queriam.
Três, dois, um... No ar!
Som horrível, imagem cheia de chuviscos, mas ali estava a APPO .

Na tela, se vê à frente uma dúzia de mulheres sentadas, atrás faixas onde se lê: “Fora Ulises Ruiz Ortiz” e “¡cuando una mujer avanza no hay hombre que retroceda!”. A trilha sonora é de uma canção de protesto chilena. Um punho erguido, outro segurando o microfone, cantam todas:

– Venceremos! Venceremos!/ Mil cadenas [correntes] habrá que romper/ Venceremos! Venceremos!/ La miseria sabremos vencer.

Na manhã do dia seguinte, as pessoas levam vídeos para serem transmitidos. São imagens do ataque de 14 de junho, entrevistas em hospitais com professores feridos na ocasião, imagens das marchas, comícios, encontros. Material gravado e nunca mostrado em nenhum canal. “É fantástico poder ver isso agora pela primeira vez”, comemora a jornalista Nancy Davies .
O sonho da TV APPO dura exatas três semanas. O governo não tolera tamanha afronta.

Na madrugada da segunda-feira, 21 de agosto um comboio de ao menos sete veículos e cinco motocicletas, de acordo com testemunhos, percorre as ruas de Oaxaca. É formado por carros da polícia, estadual e municipal, além furgões sem identificação. Neles estão homens vestidos com uniformes policiais e com o rosto encoberto, portando armas automáticas, que atacam a balas as antenas do canal 9, localizadas numa colina da capital . As armas utilizadas têm alto calibre e algumas são de uso exclusivo do exército . O ataque deixa ferido o professor Sergio Valencia Sánchez. É o fim das transmissões e do sonho da TV APPO.

Ao mesmo tempo, a Radio Cacerola sofre interferência para que não se escute os alertas. O sinal está destorcido e, logo depois, é tirado do ar. Ainda se consegue denunciar os ataques e fazer a convocatória: “todos à CORTV” !

Revoltado e encabronado com a sabotagem ao seu canal de televisão, o povo, mais uma vez vai às ruas para estabelecer uma vitória política acachapante. Ocupam-se as doze emissoras comerciais da cidade , em um contragolpe rápido às investidas violentas do poder institucionalizado e paramilitar para calar sua voz. Com essas rádios tomadas, o movimento tem agora a possibilidade de atingir 70% do estado . Na manhã de 21 de agosto, para onde quer que se mude o dial do rádio, a mensagem é uma só. “Viva a APPO, fora Ulises Ruiz de Oaxaca”! Fonte:http://www.latinoamericano.jor.br/reportagem_oaxaca.html