Os
problemas de saúde pública em Marília não são novos e muito menos restritos a
nossa cidade. Como parte do sistema nacional de saúde (SUS) – criado a partir
das lutas sociais da década de 80 e contemplado dentro da constituição de 1988 –
a organização da saúde pública em Marília segue modelos nacionais e também
reproduz vários problemas presentes nos quatro cantos do país.
Contudo,
há algumas especificidades em nossa cidade que em um primeiro momento podem
parecer benéficas para a construção de uma saúde pública de maior qualidade,
mas o que observamos nos últimos anos é uma piora progressiva na qualidade da
atenção em saúde à população. Contamos hoje em Marília com duas faculdades de
medicina que formam por ano 180 médicos e 120 enfermeiros, com 5 hospitais
credenciados ao atendimento SUS (3 deles públicos e 2 privados com convênio
SUS), com 34 USF (Unidade de Saúde da Família, responsáveis pelo atendimento em
nível básico de atenção – clinica geral) e 12 UBS (Unidade Básica de Saúde, responsáveis
pelo atendimento em nível intermediário – especialidades) e 1 ambulatório de
especialidade médicas.
Apesar
dessa rede que pode ser vista como regular para o tamanho populacional de nossa
cidade, as filas para atendimento, procedimentos e exames de média e alta
complexidade ainda são gigantescas. Há hoje em Marília 9 USF que não dispõem de
médicos. Todas tem estrutura física sucateada e falta de uma série de
medicamentos necessários ao tratamento das doenças. O encaminhamento dessas
unidades para as especialidades médicas chega a demorar mais de um ano em
alguns casos. Os atendimentos de urgência e emergência são caóticos e não
conseguem responder as demandas da população de maneira satisfatória.
O
maior pronto socorro da região localizado no Hospital das Clinicas de Marilia
passa diariamente por situações de falta de equipamentos, medicamentos e são
comuns as cenas de pacientes atendidos e mantidos em corredores devido à falta
de leitos. Os atendimentos de alta complexidade como cirurgias e internações
são reféns de um sistema que não responde as reais demandas das pessoas, mas
sim a uma estrutura envelhecida que não consegue responder ao aumento das
doenças crônicas e o crescimento da população.
Diante
de tudo isso, o governo estadual liberou uma verba há 2 anos atrás de mais de
70 milhões de reais para reforma do Hospital das Clínicas de Marília – maior
hospital público de uma região de saúde com 62 municípios e mais de um milhão
de habitantes. É importante lembrar que o referido hospital que data da década
de 60 nunca na sua história passou por uma reforma de médio ou grande tamanho.
Com isso, segundo os governantes municipais e estaduais os problemas de saúde
em nossa cidade e na região seriam resolvidos.
O
argumento desse investimento mágico tenta, em todos os debates, jogar para
longe dos olhos da população as décadas de falta de investimentos e abandono da
saúde pública em Marília. Tenta fazer calar aqueles que criticam o atual modelo
de saúde organizado em Marília como se esses não reconhecem o grande esforço
tanto do governo municipal quanto estadual em liberar tamanha verba em um
momento de crise de nossa economia. Reconhece-se a importância da liberação
dessas verbas, contudo o problemas de fundo não podem e não serão esquecidos
por migalhas que aparecem quando a situação se torna insustentável.
Assim,
é necessário repensarmos toda a estrutura dos serviços de saúde em nossa
cidade. Primeiramente, compreender que saúde não se realiza somente através de
medidas curativas como medicamentos e exames, mas através de toda uma gama de
serviços públicos, (ou que deveriam ser públicos) e de qualidade, como
transporte, lazer, cultura, habitação, alimentação, acesso à educação e tantos
outros que não contamos de maneira satisfatória hoje. A grande maioria de nossa
população é hoje submetida a longa jornadas de trabalho com salários baixos, não
consegue se deslocar dentro de sua própria cidade de maneira efetiva, não tem
acesso a lazer e cultura no seu cotidiano, alimentam-se cada vez mais com
produtos de baixa qualidade e com grande presença dos mais diversos tipos de
toxinas, frequenta escolas e universidades baseadas em um ensino voltado
exclusivamente para o mercado de trabalho e não para sua emancipação.
Essas
pessoas que são a maioria absoluta certamente irão adoecer de maneira desigual daqueles
que possuem acessos a todas benesses do capitalismo. Basear uma política de
saúde pública deixando de lado a discussão da socialização de nossas riquezas
coletivas e do acesso aos serviços que são essenciais a vida é somente medicar
um moribundo para aliviar um pouco de sua dor e não trata-lo para que supere
sua doença.
Por
outro lado, é necessário que os serviços de saúde contem com estrutura
suficiente para atender com o que existe de mais avançado aqueles que
necessitam no momento de seu adoecimento. O cuidado a saúde tem de ter um foco
extremamente forte na prevenção como já foi abordado, contudo tem que estar
preparado para dar respostas concretas as necessidades sociais. Hoje o que
temos é uma chamada cesta básica da saúde. Os indivíduos, teoricamente dentro
do SUS têm acesso a uma saúde universal, ou seja, todos podem ser atendidos em
qualquer serviço de maneira gratuita. Todavia, essa universalização é
excludente, pois não possibilita o acesso a todos os serviços e medicamentos
que existem para possibilitar a cura de uma determinada doença.
Sendo
assim, precisamos não isolar a pauta da saúde de todas as outras, pois, como já
foi apresentado, o acesso a serviços necessários a vida que devem ser públicos,
gratuitos e com qualidade irá possibilitar que as pessoas vivam melhor e
adoecem menos. Além disso, precisamos de uma maior valorização dos
profissionais de saúde. Maior valorização não somente através de maiores
salários, mas de condições estruturais que possam permitir a realização do seu
trabalho na perspectiva mais ampla da palavra.
Desenho de Carlos Latuff |
Assim,
é urgente revermos como o município contrata seus profissionais de saúde na
atenção básica. Atualmente, isso é realizado através de uma organização social de
saúde (OSS Gota de Leite) que não garante aos profissionais nenhum tipo de
estabilidade em seus empregos, que não oferece nenhum plano de carreira, que
remunera mal e que possui uma estratégia de administração baseada no menor
gasto possível. É necessário acabar imediatamente com o controle da Gota de
Leite sobre a atenção básica, colocando-a sobre administração direta do
município, com controle social efetivo, com estabilidade e plano de carreira
para seus funcionários. As verbas municipais precisam ser revistas desde sua
alocação até seu tamanho para possibilitar que as USFs tenham estrutura
adequadas, equipamentos básicos e medicamentos que realmente possam tratar os
problemas de saúde da população na sua origem sem sobrecarregar os serviços
terciários como os hospitais. No atendimento de especialidades precisamos
expandir o número de UBS no município equipa-las com estruturas básicas como
Raio-x, exames laboratoriais básicos, ultrassom e condição de realização de
procedimentos cirúrgicos de baixa complexidade. Esses equipamentos e
procedimentos há muito tempo já deixaram de serem considerados dentro da
medicina de alta tecnologia e, dessa forma, precisam estar mais próximos da
população.
Na
atenção terciária, nossos hospitais precisam ser expandidos tanto no número de
leitos como na capacidade de realização de cirurgias e exames de alta
complexidade. É vergonhoso que tenhamos uma Faculdade de Medicina pública em
nossa cidade que tem renome nacional e internacional e não realiza vários
procedimentos de alta complexidade que são executados pela filantrópica Santa
Casa de Marília, lar de vários professores da mesma instituição e que tem
conhecimento técnico para realiza-los.
O
acesso a saúde talvez seja uma das pautas que mais nos tocam hoje. Talvez pela
incapacidade de organizar o SUS dentro de um mundo capitalista estamos nos
defrontando cada vez mais com uma contradição que parece impossível de ser
resolvida. A mercantilização cada vez maior da vida e da sociedade como um todo
coloca em xeque o estabelecimento de um sistema público de saúde que não seja
transformado em um produto como outro qualquer possível de negociação e de
extração de lucros. Por isso, nos comunistas acreditamos que só teremos um
sistema de saúde que atenda as nossas reais demandas, um mundo em que possamos
ser verdadeiramente livres com o fim do capitalismo. Com o SUS e contra o seu
desmonte, mas para além do SUS e da sociedade capitalista.
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