Hoje o blog publica um texto do professor da USP Jorge Luiz Souto
Maior. Obviamente não há um campus da USP em Marília, mas o fato da principal
universidade pública do estado viver uma crise financeira, que reflete-se nas
suas “irmãs menores” como é o caso da Unesp (na qual há um campus na cidade), é
algo impactante, até porque a ameaça da privatização e tudo que ela irá
acarretar nas universidades públicas paulistas é uma ameaça que a própria Unesp
vive.
Privatizar as universidades públicas brasileiras será uma medida
que tornará o acesso à elas menos democrático, dificultando ainda mais o
ingresso nessas instituições. A privatização fará também com que os parcos
programas de extensão voltados para a comunidade externa se tornem mais raros,
quando não extintos, ou voltados para o lucro ou promoção de empresas e
produtos.
Democratização vs.
privatização da USP: a cartada final
A atual reitoria da USP
propôs, desde o início de sua gestão, uma retenção de gastos, que culminou com
a redução dos salários de servidores e professores, conforme restou definido na
semana passada, com repercussão na UNICAMP e na UNESP. Diz-se que não será
concedido um reajuste, mas como este serve para recompor o poder de compra do
salário, com reajuste de 0% o que resulta é, efetivamente, corrosão do salário
da ordem mínima de 5,20%, que corresponde à inflação medida pela FIPE no
período dos últimos 12 (doze) meses.
Tenta-se justificar a
medida como forma de regularizar a situação financeira da Universidade, que foi
conduzida ao caos pelos desajustes provocados pela gestão anterior. Não vou,
por certo, defender o antigo Reitor, porque não teria razão alguma para tanto,
mas não me parece correto debitar apenas a ele os problemas orçamentários da
USP, sendo certo, ainda, que não traz benefício algum para a instituição
ficarem os Reitores acusando-se mutuamente em artigos publicados na grande
mídia, sobretudo porque ambos, e outros, estão integrados a um mesmo projeto.
O debate público
instaurado visa a inibir a compreensão de que o reajuste zero está ligado, de
fato, ao percurso histórico em prol da privatização da Universidade, contra o
quê, aliás, uma luta intensa vem sendo travada desde 2001, quando estudantes,
em protesto contra a possibilidade de aprovação de uma Regulamentação que
ampliaria, ilimitadamente, o recurso às fundações, ocuparam a Reitoria e,
depois, adentraram a sala do Conselho Universitário, tendo obtido, à época, a
suspensão da regulamentação.
A última cartada é a
de, enfim, dizer abertamente que o dinheiro público não suporta as contas da
Universidade, abrindo a porta para a inserção de financiamento privado e
fazendo-o de tal modo que seja possível buscar apoio, inclusive, entre os
próprios servidores e professores, tendo sido estes conduzidos à pressão do
fantasma da “redução salarial”.
Mas há um dado ainda
mais relevante de continuidade a ser considerado: o da falência democrática,
que é revelado, inclusive, na própria manifestação do presente Reitor, que era
pró-Reitor na gestão anterior, de que “o conhecimento pleno do cenário
orçamentário da universidade restringia-se a poucas pessoas, entre as quais não
estavam incluídos os pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes da USP”.*
Ora, se os próprios
pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes, conforme exposto na fala do
atual Reitor, não tinham conhecimento do cenário orçamentário da USP, que
dizer, então, de todos os demais integrantes da Universidade!
Essa sua fala, que pode
ser vista com ressalvas, no mínimo impõe o reconhecimento de que a USP, como
várias outras instituições no Brasil, precisa se democratizar. Tendo o Reitor
ciência dos gastos anteriores, ou não, o concreto é que tudo se passou ao largo
de qualquer discussão com a comunidade acadêmica, a qual, ademais, já vinha há
muito denunciando o problema da falência democrática e lutando contra ela.
A ausência de espaços
de discussão e de deliberação coletiva, em que se possibilite a efetiva
participação das pessoas que integram a instituição, o que é ainda mais grave
quando se trata de uma instituição pública voltada ao ensino, é o que
fundamenta a crise da USP.
Os últimos passos dados
em direção da privatização, quais sejam, o sucateamento das contas e o reajuste
zero, estão sendo impostos à comunidade uspiana, a qual se vê, literalmente,
impelida à greve.
Mas há outra partida em
disputa, que é antecedente e primordial: a da democratização. Nesta, a carta
posta na mesa traz inscrita a confissão, acima mencionada, do atual Reitor,
sendo certo, ainda, que deve ter por base o reconhecimento do direito de greve
de servidores e professores, aqui tratados pela expressão real de
trabalhadores, como instrumento legítimo de sua luta pelo recebimento de justa
remuneração e pela defesa do ensino público de qualidade.
É por esses motivos que
os trabalhadores da USP, com apoio fundamental dos estudantes, a partir de dia
27 de maio de 2014, entraram em greve por prazo indeterminado.
São Paulo, 27 de maio de
2014.
* Orçamento e responsabilidade. Folha de S. Paulo, 26/05/14,
p. A-3.
Publicado originalmente em: http://blogdaboitempo.com.br/2014/05/28/democratizacao-vs-privatizacao-da-usp-a-cartada-final/
[i] Juiz
do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP). Autor de Relação de emprego e direito do trabalho (2007) e
O direito do trabalho como instrumento de justiça social (2000), pela LTr, e de
um dos artigos da coletânea Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações
que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, 2013). Colabora com o Blog da Boitempo
mensalmente às segundas.